EDUCAÇÃO SEXUAL - ALVOS DO HIV
- Trinta anos após a
descoberta do vírus, os jovens são o grupo com maior tendência de crescimento
da Aids
- Exposição
sexual é o principal fator de contaminação de jovens entre 13 e os 24 anos
-“Informação não é suficiente
para os adolescentes se previnam em situações de risco.”
- Inversão. A contaminação de
meninas superou a de meninos a partir de 1998: são 10 casos entre elas para
cada 8 deles.
Mas tem tratamento!” Não é incomum ouvir a
frase ao falar a adolescentes sobre Aids no trabalho de prevenção. Graças aos
avanços, às pesquisas e à descoberta dos medicamentos em 1992, convivemos com o
HIV há três décadas. Mudanças de conceito e na transmissão de informação são
pontos marcantes nesses 30 anos. Mas cabe ao educador questionar: o que não é
dito a esses jovens?
Se a primeira década foi marcada
por terrorismo e medo, já que se desconhecia o agente causador da doença, hoje
presenciamos o aumento da qualidade da informação, constatada pelas pesquisas
de conhecimento, atitudes e práticas realizadas pelo Programa Nacional de
DST/Aids no Brasil. Graças aos avanços desde 1992, com a descoberta dos
medicamentos antirretrovirais (que impedem a multiplicação do vírus no
organismo), o acesso universal ao coquetel reposicionou a Aids como uma doença
crônica com tratamento possível, rigoroso e delicado. Não se trata mais de uma
sentença de morte. Ou seja, esta geração de adolescentes veio ao mundo quando o
enfrentamento da epidemia tinha novas perspectivas e teve amplo acesso à
informação, por meio de campanhas de mídia, articulações em saúde e educação.
Por outro lado, o Ministério da
Saúde dá conta de que, em cinco anos, a prevalência do vírus HIV em meninos
entre 17 e 20 anos subiu de 0,09% para 0,12% – o porcentual sobe quanto menor
for a escolaridade. De 1980 até junho de 2010, 11,3% dos casos no País foram de
jovens na faixa dos 13 aos 24 anos. Não só: a maior proporção de ocorrências
está relacionada à expoxição sexual. Diante desse quadro, como os jovens lidam
com o sexo seguro e com a Aids?
Exposição sexual é o
principal fator de contaminação de jovens entre os 13 e os 24 anos.
Foto:Latinstock
O que os
jovens sabem
Em levantamento recente realizado
pelo Centro de Estudos da Sexualidade Humana do Instituto Kaplan, 97% dos 1.149
adolescentes demonstraram ter informações sobre a Aids, o que não impediu que,
na hora de tomar decisões diante de situações hipotéticas, 37% dessem respostas
que indicassem uma conduta de vulnerabilidade (explica-se o conceito a seguir). Ademais, a
Pesquisa de Comportamento, Atitudes e Práticas da População Brasileira (PCAP
2008) constatou que 97% dos brasileiros entre os 15 e os 24 anos sabem que o
preservativo é o método mais efetivo no combate à transmissão do vírus, mas seu
uso tende a cair quanto mais estável for o relacionamento sexual.
É notável que apenas a informação
não é suficiente para que os jovens utilizem o preservativo. Também é preciso
motivá-los a lançar mão desses conhecimentos e enfrentar situações de risco. É
nesse aspecto que a influência do educador pode fazer a diferença. Na mesma
sondagem do Instituto Kaplan, a escola foi destacada por 84% dos entrevistados
como o principal espaço para a busca de conhecimento sobre DST/Aids, o que
mostra que o professor tem papel essencial na educação sexual.
O que fazer diante de uma
oportunidade dessas? Os programas de educação pregam aliar informação a
valores, atitudes e condutas que fortaleçam a prevenção e diminuam a
vulnerabilidade. Para ficar em um exemplo baseado em pesquisas: percebe-se que,
diante da afirmação “Mas Aids- tem tratamento!”, nem sempre o professor- esclarece
o que vem com o pacote “tratamento”, polemiza, discute como seria o momento
posterior a ele ou ressalta o mais grave: que a ainda não há cura. Esse é um
típico momento para retirar do próprio adolescente o fragmento de conhecimento
que ele apresentar e construir em conjunto uma informação que dê subsídios, de
maneira clara e direta, para o entendimento dos reais impactos de uma doença
como a Aids ou da convivência com o HIV.
Uso da camisinha – Em %
|
Faixa etária
|
Já
tiveram relações sexuais
|
Uso do preservativo
na última relação sexual
|
13 a 15 anos
|
24
|
76
|
15 a 18 anos
|
51
|
74
|
Fonte: Instituto Kaplan - Maio 2012
|
Vulnerabilidade
juvenil
O conceito de vulnerabilidade
identifica os fatores que influenciam a não prevenção nas relações sexuais.
Questões como a dificuldade de negociar o uso do preservativo, a vergonha, o
medo de falhar, o desconhecimento, a diminuição da autoestima, a ausência de
cuidado consigo e o envolvimento emocional fazem parte do -repertório de
fatores que podem agir na contramão do uso do preservativo.
Muito se discute a respeito da
vulnerabilidade dos alunos de Ensino Médio em relação à gravidez na
adolescência e à infecção pelo HIV. No Brasil, 20,42% dos partos são de
adolescentes, de acordo com o Ministério da Saúde. Em relação ao contágio pelo
vírus, segundo dados de 2009, a porcentagem de jovens do sexo masculino
infectada salta de 2,4%, na faixa dos 14 a 19 anos, para 18,1%, entre os que
têm de 20 a 24 anos. Entre as garotas, os números vão de 3,1% para 13,4%, na
comparação entre as faixas etárias de 13 a 19 e de 20 a 24 anos.
Especialmente a vulnerabilidade
das garotas à Aids preocupa e faz parte das ações de enfrentamento da epidemia
no Brasil. No mais recente Boletim
Nacional de DST/Aids, elas foram destacadas como o público que teve
crescimento no número de casos em relação às demais populações, que tem
apresentado decréscimo. Segundo o relatório, a inversão se deu a partir de 1998
e é esta a única faixa etária em que há mais ocorrências entre mulheres do que
em homens: oito casos em meninos para cada dez em meninas. Em ambos os sexos,
dos 13 aos 24 anos, a contaminação está atribuída à categoria de exposição
sexual, sendo 74% no sexo masculino e 94% no sexo feminino. Órgãos como Unaids-
e Unesco reconhecem que o adolescente se encontra em posição vulnerável e que é
necessário a implantação nas escolas de programas de educação sexual que
favoreçam o acesso integral a informações.
Educação
sexual
Cerca de 30,5% dos alunos de 9o
ano já tiveram relações sexuais segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do escolar
(2009) e estima-se que, ao fim do Ensino Médio, de 70% a 80% exercite sua vida
sexual. O repertório sexual dos adolescentes é amplo atualmente. Eles se
permitem investigar e -descobrir formas de contato íntimo para lidar com
interdições como a virgindade, e, assim, se relacionam de outras muitas
maneiras que podem torná-los vulneráveis.
Um exemplo é o sexo oral e a
crença de que não expõe a DST. O número de dúvidas sobre a prática cresceu nos
últimos anos, assim como os casos de HPV e herpes, mas as aulas de orientação
sexual a respeito das DST não acompanharam essa evolução, e continuam mostrando
imagens horrorosas de estágios avançados de doenças. Na nova perspectiva de
formação de competências para a vida não podemos segregar a educação sobre
HIV/Aids, um aprendizado que envolve a participação juvenil, o pensamento
crítico e a experiência.
Isso posto, é preciso buscar
metodologias para inserir a educação sexual, de maneira lúdica e dirigida,
atendendo às perspectivas do aluno e fornecendo ferramentas para que ele
associe o uso do preservativo ao exercício do prazer. A escola deve estar
preparada para uma abordagem integral da sexualidade. Apesar de citada inclusive
em guias e diretrizes como os PCN, ainda é difícil expandir na prática a
intervenção para além das exposições chatíssimas sobre órgãos reprodutores.
Percebe-se, em oficinas que envolvem práticas sexuais, que o prazer e o
reconhecimento da vulnerabilidade no cotidiano atraem maior interesse e têm
mais impacto nos grupos do Ensino Médio.
Deve-se, então, trabalhar três
pilares: conhecimento, atitudes e competências,
auxiliando a tomada de decisão diante das condutas de prevenção. É uma tarefa
que soa complicada, ainda mais se lembrarmos que, na história da sexualidade,
já tivemos tantas associações com a reprodução e que as práticas sexuais sempre
foram deixadas de lado, como se não se pudesse abordar a intimidade e as
dificuldades que envolvem a vida sexual. Há alguns anos, com o reconhecimento
dos 11 direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos – destacando o
direito ao prazer – começamos a entender que a estratégia funciona bem como
motivadora.
Os adolescentes estão expostos a
muitas informações parciais, por vezes tendenciosas ou contestáveis, e o acesso
a uma educação sexual clara e baseada nos direitos humanos é fundamental na
luta contra o preconceito e para assegurar ao jovem seu papel de sujeito de
escolha – esse é o lugar do educador. Trabalhar o cotidiano das práticas
sexuais facilita o reconhecimento das situações de vulnerabilidade e promove
troca de conhecimento, podendo ampliar o número de respostas de enfrentamento e
novas condutas – como o uso do preservativo em todas as relações.
Muitos educadores têm dúvidas
sobre dizer ou não ao jovem que o HIV/Aids encontra-se hoje na classe de
doenças crônicas porque temem autorizar, assim, a disseminação do vírus e a
ausência do cuidado. A omissão relega ao adolescente o antigo papel de
“irresponsável”, no qual ele não teria recursos para decidir sozinho. Quanto
mais saudável e responsável for o exercício da sexualidade, mais estaremos
evoluindo em qualidade de vida da população e em cidadania. O fortalecimento do
adolescente como sujeito de direito à saúde e à educação integral, entendendo
que sexo e prazer são constitutivos positivos desse processo, auxilia a
motivação para a prevenção.
A Aids no Brasil - Taxa de detecção
(por 10 mil háb.) Segundo
faixa etária e sexo – 2009
|
Faixa etária
|
Feminino
|
Masculino
|
+ 60
|
6,4
|
10,8
|
50 a 59
|
19,3
|
31,1
|
40 a 49
|
28
|
52,4
|
35 a 39
|
35,5
|
58,4
|
30 a 34
|
31,3
|
54,2
|
25 a 29
|
28,3
|
39
|
20 a 24
|
13,4
|
18,1
|
13 a 19
|
3,1
|
2,4
|
05 a 12
|
1,4
|
1
|
< 5 anos
|
3,2
|
2,8
|
Fonte:
boletim Epidemiologico Aids e DST ano VII nº 01
As fontes dos jovens
sobre Aids/DST – Em %
|
Escola com
o professor
|
84
|
TV/
Revista
|
16
|
Em casa
com os pais
|
11
|
Internet
|
9
|
UBS
(Unid. Básica de Saúde)
|
6
|
Amigos
|
4
|
Palestras
|
4
|
Amigos
|
4
|
Fonte:
Instituto Kaplan
|
Por Camila
Guastaferro é psicóloga e educadora sexual, coordenadora de desenvolvimento
institucional do Centro de Estudos da Sexualidade Humana – Instituto Kaplan.
Fonte: Revista Carta na Escola – Agosto de 2011, pag. 42 a 44.